quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O Voo da Borboleta - Cap VI



O Voo da Borboleta


Capítulo 6


Alguém disse “não existe dor pior do que a de não saber”. Quando você se vê obrigado a se afastar de alguém a dor é inevitável. Mas se você sabe os motivos, o porquê; quando você tem as respostas, essa dor torna-se aceitável, suportável. Mesmo que por culpa nossa, ou não, saber o porquê, saber o que aconteceu, as razões, acalma o coração. 

Não pretendo questionar a criação nem a forma como Deus conduz nossas vidas. Longe disso. Mas teria sido relativamente um pouco melhor para humanidade se ao criar o Homem e a Mulher, Deus estabelecesse que se houvesse amor entre as duas almas, o mundo conspiraria em favor delas e nada poderia separá-las ou pertubá-las. Quem sabe assim viveríamos em um mundo mais bonito, com pessoas que estariam juntas por que realmente se amam e não por outros motivos; pessoas que não enganam e não mentem uma para outra. A frase “eu te amo” teria enfim seu peso e valor merecido e se tornaria confiável. Quem sabe assim um homem poderá dizer que amará a mesma mulher por toda vida sem ser questionado ou parecer demagogo. E uma mulher poderá se entregar de olhos fechados a um homem sem o medo da desilusão.  (...)
O que um homem pode fazer quando ele descobre que não tem poder sobre todas as coisas? Quando ele se vê fragilizado? – em sua essência o homem é vulnerável; enganam-se aqueles que nos julgam como o sexo forte. Somos sim a base frágil de uma relação, não é feio nem difícil admitir. 

Temos o péssimo hábito de nos acomodar, de não perceber as coisas que acontecem ao nosso redor no momento que elas ocorrem; normalmente precisamos de um empurrão, de uma boa “cutucada”. O pior é que na grande maioria das vezes, não recebemos o empurrão ou a “cutucada” e ficamos a mercê da nossa lenta percepção. E normalmente quando percebemos que algo está errado já é tarde demais. 

E homens não sabem lidar com perdas. – com aquelas que realmente importam – Não sabemos o que fazer, ficamos perdidos e as vezes tomamos decisões erradas; agimos por impulso e nos atiramos literalmente na frente de carros, de pessoas, nos ajoelhamos, choramos, imploramos e fazemos todas essas coisas que nos arrependemos depois. Mas em alguns casos esse mesmo sentimento faz com que possamos mudar e nos tornar pessoas melhores para finalmente nos fazer acertar. Afinal, somos homens, somente homens e nada mais. 

*** 

Em sua mente Alexandre não parava de se questionar, “os porquês” eram inevitáveis. A noite do dia 14 de Janeiro; foi perfeita para ele, refez toda a noite na memória tentando encontrar qualquer coisa que lhe desse uma razão; lembrou do jantar, da conversa, da dança, de cada palavra que ela disse, lembrou principalmente dos abraços, dos beijos e de quando fizeram amor – nunca havia sentido nada igual, nunca um beijo, um toque, um gesto de carinho haviam sido mais valorizados do que o prazer normal de uma relação sexual – foram momentos inesquecíveis. Lembrou do rosto dela ao se despedir quando ele a deixou próximo a casa que ela dizia ser dela. “O que aconteceu?”, “Por que tudo isso?!”, “Onde você está meu amor?”. 

Os dias se passaram lentos, cada vez mais tediosos. Alexandre ia trabalhar, mas não fazia outra coisa se não olhar as horas passarem, fazer pesquisas na internet, nos sites de relacionamentos e mandar centenas de e-mails com a única foto que ele tinha dela – ela de braços abertos para ele no Parque dos Bilhares com o mesmo sorriso de quando ele a conheceu – Mas nada dava algum resultado prático. Às vezes alguém dizia que a conhecia, mas a pista não levava a lugar algum, ou levava a pessoa errada, ou era trote – é incrível como as pessoas não tem respeito pelo sofrimento dos outros; tudo bem que correntes não são muito legais, mas se você não quer ajudar não deveria atrapalhar. 

Já haviam se passado oito dias; não havia notícias, nada de concreto. Ele voltou mais duas vezes na escola de idiomas e se certificou que realmente ela não estudava lá. Chegou a perguntar de alunos e professores. Voltou à casa que ela apontará como sendo dela, falou com o proprietário, Sr. Francisco – um senhor de cabelo branco, bem humorado, que o atendeu com a maior cordialidade – mas dele também ouviu a mesma resposta que já havia recebido antes da secretária; ele morava sozinho, não tinha filhos, e se mudara para Manaus há 30 anos vindo do Ceará e desde então morava naquela casa e não havia ninguém ali com aquele nome e ele não conhecia ninguém que fosse parecido pelo menos com a Ana Carolina. 

No trabalho as coisas não estavam fáceis, mesmo com seu desligamento mental dos últimos dias Alexandre ainda contava com a boa impressão inicial do seu patrão. Que por duas vezes conversou com ele e perguntou se estava tudo bem, chegou a oferecer-lhe uma vaga em outra unidade da empresa, em Curitiba, – o cargo ficaria vago em algumas semanas e o dono da empresa pensou em dar-lhe aquela oportunidade e colocá-lo como trainee. – Alexandre teve que recusar a oferta e encarar o olhar perplexo do homem quando ele justificou dizendo que estava feliz pelo convite, mas naquele momento tinha outras prioridades. 

Os dias continuaram impiedosos, passando lentamente e sem trazer nenhum tipo de conforto ou esperança. A sensação de impotência era devastadora, Alexandre parecia ligado no piloto automático, dirigia, trabalhava, comia e escutava os outros falando; sempre com o olhar distante a procura de respostas. Já estávamos no final de Janeiro, logo ele precisaria fazer o vestibular para administração e logo passaria pela reavaliação para efetivação do seu contrato de trabalho. Mas ele não lembrou de nada disso. Alexandre só pensava que ela poderia estar precisando de ajuda, que algo teria acontecido que ele precisava procurá-la. Mas não sabia por onde começar; foi a jornais com a foto dela, emissoras de rádio e televisão, mas descobriu que precisava ser familiar para divulgar a foto dela, ou comunicar o desaparecimento; foi a delegacias, hospitais e ao Instituto Médico Legal e neste último que seu coração quase parou quando um agente disse que havia uma mulher de vinte e poucos anos aguardando identificação com as mesmas características da pessoa da foto que ele levara. A tal mulher havia sido violentada e morta há aproximadamente quinze dias. Ele entrou na sala onde os corpos ficam refrigerados implorando mentalmente em uma prece muda que aquele não fosse o fim que ele vinha desejando nos últimos dias. Rezou para que não fosse ela ali deitada a sua frente quando abrissem a gaveta. E não era. A moça era aparentemente da mesma idade da Ana Carolina, eram realmente parecidas, mas não era ela. Mesmo feliz por não encontrá-la ali, seu coração continuava apertado pela falta de respostas. 

No inicio da segunda semana de fevereiro, estávamos em uma segunda-feira, o departamento de recursos humanos o chamou para sua reavaliação. A conversa não durou mais que dez minutos. O responsável pelo departamento agradeceu seu empenho e seu esforço nos últimos meses, mas a empresa havia decidido “reduzir seu quadro”. Alexandre entendia que na prática aquilo significava que ele não correspondera às expectativas da empresa e por isso estava sendo dispensado. Ele agradeceu, pegou seus pertences e apenas pensou que agora teria mais tempo para procurá-la. 

Em casa Alexandre fez do escritório do seu pai uma verdadeira base de busca, havia cartazes espalhados pela mesa, fotos dela pela parede e vários cadernos com várias anotações de lugares e pessoas que ele visitou ou visitaria. Os dias foram passando e com o tempo a mais que agora ele dispunha para procurá-la, algumas pistas começaram a aparecer. Conversou com praticamente todos da vizinhança do Sr. Francisco e descobriu que algumas pessoas lembravam-se de uma moça parecida com a Ana Carolina que costumava pegar ônibus ali próximo, mas não souberam confirmar com exatidão onde a moça morava e se era realmente ela. Espalhou cartazes por todo o conjunto e inclusive no centro da cidade, próximo a escola de idiomas – no cartaz havia a foto dela com os dizeres “Desaparecida”, “Informações serão bem gratificadas” e os números de telefones da casa e do celular do Alexandre. Mas até aquele momento, fora alguns trotes, ninguém tinha ligado e dado alguma informação útil. 

As inscrições para o vestibular passaram, o próprio vestibular passou e o Alexandre permanecia do mesmo jeito, focado apenas em sua busca por respostas. Com o pai, a trégua havia acabado há dias, as discussões entre eles eram constantes agora. 

– Você precisa reagir meu amigo, vai passar o resto da vida desse jeito, sem trabalhar em casa? – Dr. Marcos argumentava pensando que Alexandre estava triste por conta do emprego perdido – Não deu certo em um, procura outro. O vestibular você nem fez rapaz. Isso é muita falta de responsabilidade. 
– Se for preciso vou continuar sim! – Alexandre gritava sem paciência alguma para qualquer questionamento seja de quem fosse – Vai fazer o que? Me expulsar de novo?! Me deixa em paz! – Batia a porta do escritório e chorava sozinho. 

A essa altura Alexandre já tinha se afastado de todos. Família e amigos; preferiu carregar sozinho o peso da sua busca. Ele mal dormia, tinha vários pesadelos e mal comia – não sentia fome – na verdade se tivesse escolha preferiria não ter mais que comer, preferiria não ter mais que levantar todos os dias, não ter mais que procurar, pois seu coração, sua alma doía muito em cada beco sem saída, em cada resposta negativa, em cada pista falsa. Nessas horas ele pegava a foto dela, abraçava forte junto ao peito, olhava seu sorriso e a beijava. Com o tempo descobriu que da mesma forma que a presença dela o acalmava e transmitia paz, a foto recarregava suas energias e lhe trazia esperança. Esperança de vê-la sorrindo ao seu lado novamente.