O Voo da Borboleta
Capítulo 3
Alexandre estava muito tenso. Não conseguia relaxar. Já tinha utilizado todas as técnicas que conhecia, respiração, grito, alongamento. Tentou até meditar, mas desistiu logo em seguida, não dava para meditar na frente de tantas pessoas. Tentou se concentrar no texto em suas mãos. Não era nenhum desafio, já tinha encontrado textos mais complexos, mas teria que ser cantado, e em francês – seria uma ultima cena para o núcleo Francês que o diretor decidiu fazer de ultima hora – Os atores principais da minissérie e três figurantes cantando o hino Francês. Sem muito tempo para ensaiar – foram duas horas do momento que ele recebeu a notícia até a hora da gravação – agora as seis pessoas cantariam razoavelmente um trecho da La Marseillaise.
“Allons enfants de la Patrie,
Le jour de gloire est arrivé!
Contre nous de la tyrannie,
As mãos dele não paravam de suar, o figurino parecia pesar uns vinte quilos a mais. Ele caminhava de um lado para o outro, repetindo para si o trecho do hino, sem parar. Os olhos estavam vidrados no papel quando ele ouviu a voz dela pela primeira vez.
– Com licença é aqui que estão trocando os figurinos? – aquela voz suave, em um tom baixo, ecoou nos ouvidos do Alexandre e o fizeram parar, o caos ao seu redor pareceu não se importar e não perceber aquela presença.
– Com licença?! É aqui que estão trocando os figurinos das damas do cabaret? – Ela insistiu.
Ele ergueu os olhos. O cabelo dela foi à primeira coisa que ele notou, eram castanhos, brilhavam e ficavam quase louros com ajuda do sol que entrava com ela pela porta. De óculos escuros, mas não tão escuros ao ponto de não conseguir ver olhos por detrás. Pele clara, sorriso encantador. A distância entre eles se media em poucos metros, mas havia dezenas de pessoas cantando, falando e conversando naquele espaço. Quando ela se preparava para fechar a porta sem resposta, ele disse:
– Oi – acenou para ela – a troca de figurino é na sala ao lado – apontou o lado direito com o braço. E sorriu.
Ela fez uma expressão de alívio e também sorriu. E falou apenas com os lábios, sem emitir nenhum som.
– O-bri-ga-da! – E fechou a porta lentamente sorrindo para ele.
A porta se fechou por completo e ele ainda continuava sorrindo. Olhou ao seu redor por alguns segundos, depois para o papel em sua mão, para seu reflexo no espelho, para as pessoas que estavam ali, para porta de novo e pensou – obrigado você – e sorriu novamente. Essa foi à primeira vez que ele sentiu o que depois chamaria de “o maior dom dela”, o dom de acalmá-lo e de lhe trazer a paz.
Alexandre gravou a cena que faltava e ao final foi muito elogiado pelo diretor. Apertou mãos, tirou fotos, trocou sorrisos, mas sua mente não estava ali. Queria sair, trocar logo aquela roupa e abrir a porta e quem sabe ver aquele rosto novamente. Foram longos 35 minutos que ele teve que esperar para devolver a roupa, uma eternidade. Mas enfim estava livre do figurino e já se apressava em se despedir de todos. Abriu a porta, olhou para todos os lados. Não a viu. Foi até a sala ao lado, abriu, não havia ninguém. Foi até o parapeito do corredor, olhou para baixo, para toda extensão do prédio – havia poucas pessoas naquele momento – não a encontrou.
Alexandre foi para casa sem conseguir esquecer aquele sorriso, aquela voz. Ficou boa parte da noite relembrando os detalhes daquele encontro inesperado. Até adormecer e sonhar com ela.
Passou o dia seguinte procurando por ela em meio as pessoas. Em cada corredor, em cada sala. No saguão na hora do almoço. Mas não encontrou o menor vestígio. Pensou em perguntar para produção, mas lembrou que não sabia o nome dela. Gravou suas cenas e trocou de roupa em tempo recorde. Foi para o portão de saída e a procurou em cada rosto que saia do prédio. Não a viu. E assim, o dia se foi.
No dia seguinte nada mudou, ele a procurou, procurou e procurou. Uma procura que já se apresentava em vão. Mas instintivamente ele continuava. – mesmo sem encontrar o menor sinal – Desistiu de dar as características dela para as pessoas, ninguém a conhecia. Mas jamais pensou em desistir da procura, seus olhos teimosos vasculhavam cada espaço ao seu redor, sem deixar nenhum rosto escapar. E assim, outro dia se foi, depois outro e mais outro. Um mês inteiro se passou.
Certa manha, enquanto ele conversava com um colega aguardando o ônibus que os levariam até uma locação. Em meio a gargalhadas de uma piada contada. Olhando para o horizonte, distante. Ele a viu novamente. Fechou os olhos com força como se houvesse a possibilidade de estar imaginando aquilo. Não estava. As vozes, o barulho dos carros, nada ele ouvia mais, o mundo silenciou por um instante.
Acompanhou ela com os olhos, vindo em sua direção – em direção ao prédio – a mesma pele, o mesmo sorriso e o mesmo cabelo – o sol parecia um amigo fiel, inseparável que a deixava cada vez mais linda e reluzente – ela atravessou a rua, caminhou até o prédio, poucos metros o separavam agora. Passou pelos portões e enfim estava ao lado dele. Ele sorrindo como se esperasse algo em troca e ela passou. Não o teria notado, mas ele não se conteve.
– Oi – disse sorrindo e tremendo.
– Olá – ela respondeu e franziu a testa.
Sorriu para ele e continuou caminhando.
O ônibus chegou e uma fila se formou em segundos, Alexandre ficou para trás, era o ultimo. Não conseguia parar de acompanhá-la com os olhos. Olhou até ela entrar em um dos corredores à esquerda do prédio e ele a perder de vista. A fila foi diminuindo até chegar sua vez de entrar no ônibus. Ele entrou. Mas em sua mente a imagem dela permanecia. A ultima imagem dela dobrando a esquerda no corredor e saindo do seu campo de visão. A porta do ônibus se fecha – alguém o diz para sentar – sentado olhando pela janela do ônibus ele avista o corredor à esquerda, e pensa que aquela pode ter sido a ultima vez que ele a viu. Afinal, novamente não perguntou seu nome, não sabia nada sobre ela, e certamente ela não fazia mais parte do corpo de figurantes, porque todos deveriam estar dentro daquele ônibus. E o andar despreocupado dela o convenceu que ele estava certo.
O ônibus se movimenta, ele fica olhando o corredor até o muro que cerca o prédio tapar sua visão. O veículo chega ao final da rua. A sensação de perda o invade, ele não compreende por que, só sente que cada metro que o ônibus em movimento cria entre eles ela se vai um pouco mais. Alexandre levanta e corre até ao motorista.
– Amigo preciso voltar. – Ele fala tocando o ombro do motorista.
– Não podemos, estamos atrasados. – ele responde sem olhar para ele.
– Então abra a porta que eu desço aqui. – Suplicou
– Você não pode. Estão aguardando todos os 40 figurantes, nenhum a mais, nenhum a menos – disse olhando para rua.
– Amigo, eu não te conheço. Você não me conhece. Mas olhe nos meus olhos. Diga se não fosse importante para mim descer desse ônibus agora eu estaria aqui te pedindo para abrir essa merda de porta? – aumentou o tom e olhou firmemente nos olhos do motorista. Exatos três segundos depois a porta se abria e ele descia correndo as escadas do ônibus, mas não sem antes abraçar o motorista e dizer:
– Obrigado!
Chegou ao corredor em segundos. Ofegante olhou até o final e não a encontrou. Viu apenas várias portas de ambos os lados que se perdiam naquela imensidão. Ele abriria uma a uma se fosse preciso. – mas não foi – Da penúltima porta a direita ela surgiu, sorrindo se despedindo de alguém. Ele respirou aliviado e se permitiu fechar os olhos por um instante. Ela começou a caminhar em sua direção, os dois sozinhos, ele não deixaria essa oportunidade passar. Não sem falar com ela.
A imensidão do corredor agora se tornara infinita, cada passo que ela dava parecia deixá-la ainda mais longe. Alexandre sentiu um vento passar ao seu lado e o viu tocar os cabelos dela suavemente. Segundos depois, ela estava ali, a menos de um metro.
– Foi difícil te encontrar – Disse sorrindo.
– Você estava me procurando? – Ela respondeu com ar de dúvida.
– Sim. Durante toda minha vida. – ele respondeu olhando nos olhos dela.
Ambos sorriram.
***
O amor é tão simples. Nós que o complicamos. Esperamos demais dele, esperamos que ele seja o “amor” que idealizamos, o “amor” dos nossos sonhos... E que esse modelo de sentimento seja igual para todos.
“O outro deve sentir o que eu sinto e da forma que eu sinto. Sem mais nem menos. E se não for assim não é amor.”
Mas esta ultima afirmação talvez seja a única verdade nesta frase. Não é amor. Não assim.
O amor nasceu no Alexandre quase que a primeira vista, ele ficou dias procurando por ela. Semanas. E quando a finalmente encontrou – através do acaso do destino – não teve dúvidas. Ele sabia que poderia perder tudo, a gravação, o cachê, a oportunidade, mas não poderia perdê-la de vista novamente. A encontrou, mas não cobrou que ela se atirasse em seus braços e que sentisse o que ele sentia. Apenas permitiu que do jeito dela e no tempo dela o sentimento começasse a nascer. Isso sim é Amor caros amigos.
E a Ana Carolina – esse é o nome dela – posso garantir a vocês que amou o Alexandre da mesma forma.
***