O Voo da Borboleta
Capítulo 4
Capítulo 4
Estávamos no final do mês de novembro, a cidade se enfeitava para o natal, o comercio, as casas e as avenidas ganhavam em cores com os enfeites natalinos. Nas ruas um clima gostoso de inverno fora de época nos brindava. Os casais aproveitavam esse clima para ficar juntinhos em lugares como o Parque dos Bilhares, o Largo São Sebastião ou a orla da Ponta Negra, passeavam de mãos dadas trocando olhares e sorrisos.
Nos grandes shoppings o corre-corre de final de ano estava no inicio, mas as filas já eram uma constante nas lojas de departamento. A cidade começava a viver aqueles primeiros dias que todo manauara adora, a véspera de natal. Não que seja diferente em outras capitais, mas em Manaus esses dias são particularmente especiais, primeiro porque o clima sempre muda, fica aconchegante, não frio, mas um clima gostoso. A cidade ganha um espírito diferente e até as pessoas ficam mais sorridentes. Mais felizes. (...)
Foi nessa época que eles se conheceram. Para ele os sinos da Catedral tocaram no momento que a encontrou pela primeira vez. Para ela uma suave melodia de possibilidades soou distante no momento que o viu no corredor. Mas para ambos o amor acenava e dava seus primeiros passos.
Alexandre passou alguns minutos explicando, ou tentando explicar a frase que a pegou de surpresa – Durante toda minha vida – não havia muito que dizer, nem ele mesmo estava preparado para entender qualquer coisa. Eles conversaram algum tempo sobre a minissérie e a decisão dela de não mais participar devido aos seus horários. Após se certificarem que tinham trocado todos os contatos possíveis, se despediram. Ela tinha que ir para aula de inglês que também ficava no centro da cidade. – duas quadras de distancia – Ele lembrou que precisava devolver o figurino. Trocaram beijos no rosto e caminharam em direções opostas. Alexandre já estava dentro do prédio quando olhou para trás e a viu se distanciando. Ele para. Sente uma brisa tocar seu rosto e fazer balançar algumas folhas de uma arvore. Olha novamente para ela e a vê sumir atrás de alguns carros. Olha para seu peito, pensa por um instante e volta, vai na direção dela.
– Sabe de uma coisa?! Eu vou acompanhá-la ate sua escola. – Disse ao se aproximar com um meio sorriso nos lábios.
– De figurino? – Ela questionou sorrindo.
– Sim. De figurino Milady – curvou-se com o chapéu em uma das mãos.
– Então eu apreciarei muito sua companhia Milord – ela retribuiu a reverencia abaixando-se e segurando a barra de um vestido imaginário.
Naquela tarde, olhares curiosos voltaram no tempo e observaram uma cena de cem anos atrás, um jovem cavalheiro acompanhando sua bela dama pelas ruas de pedra da capital da borracha.
***
Eu e Ana Carolina nunca nos encontramos, mas hoje a sensação que eu tenho é que convivi com ela a vida toda. Entendo todas as decisões que ela tomou, todas suas atitudes, mesmo aquelas que pareceriam injustas a outros olhos. Ela fez o que precisava fazer. E eu a admiro muito por isso.
No hospital, depois de algum tempo, eu acabei convencendo o Alexandre que demonstrar qualquer reação seria muito melhor do que correr o risco de ser interditado, dopado e forçado a se medicar. Ele acabou cedendo naquele mesmo dia. Prometi que retornaria depois do expediente para vê-lo e ele prometeu que continuaria me contando sua história. Abracei-o e o deixei sozinho com seus pensamentos.
Sai do hospital após uma saraivada de perguntas do Dr. Marcos. Limitei-me apenas em dizer que o Alexandre aceitaria a medicação e se alimentaria. Disse também que ele gostaria de receber somente os amigos, e que estes fossem anunciados antes de entrar. – era uma tentativa de protegê-lo, mesmo eu estando errado, preferi tomar essa decisão por ele – Como eu esperava, Dr. Marcos irritou-se e o chamou de “esse moleque”, e esbravejou bastante, mas por fim, Dona Maria acabou por convencê-lo que era melhor respeitar a decisão do filho.
Fui trabalhar com meu amigo no pensamento. Toda aquela inquietude dos últimos meses, toda aquela dor, aquela tristeza e eu não tinha feito nada para ajudá-lo. Fiquei me sentindo mal enquanto dirigia de volta ao trabalho, afinal desde a primeira vez que o reencontrei que eu sabia que alguma coisa estava acontecendo, mas acabei preferindo me abster, me omitir, fugir novamente. Eu deveria ter estendido a mão para ele há muito mais tempo.
Pensar nisso acabou me deixando muito irritado. Isso e o excesso de trabalho acumulado em cima da minha mesa quando eu cheguei acabou fazendo o tempo voar. Às 19 horas eu já estava de volta ao hospital, no quarto 101, sentado em um sofá ao lado do meu amigo, ouvindo-o.
***
Alexandre acabou sendo dispensado da figuração. Não tinha como explicar para produção os motivos que o fizeram descer do ônibus correndo quando estava a caminho das gravações, e pior, só voltar com o figurino muito tempo depois. Mas ele não ficou triste, no fundo ele entendia que seu tempo ali tinha chegado ao fim. Alexandre estava feliz, como nunca estivera antes.
Eles passaram a se ver regularmente, ele saia do “trabalho” e ia encontrar com ela na saída da faculdade – ela cursava Turismo – eles conversavam, falavam dos sonhos, dos problemas, dos planos de cada um. Ela dizia que um dia escreveria um livro, sobre suas experiências em um ônibus lotado, e que um dia daria uma entrevista no Programa do Jô. E ele brincava que estaria na platéia e ela teria que apontá-lo, para todos saberem que ela era comprometida.
Ana Carolina gostava de falar, às vezes repetia a mesma historia que já havia contado dias antes, mas Alexandre não a interrompia, adora ouvir ela contando essas historias, sempre com a mesma emoção da primeira vez. Alexandre também falava dos seus sonhos, que estavam meio distantes naquele momento, contou para ela à situação que ele estava vivendo. Ela tocou seu rosto e disse:
– Vai dar tudo certo, se ainda não deu é por que ainda não é o fim. Não desista.
Ela lhe transmitia paz. Algo que ele nunca havia experimentado. Com ela ao seu lado, todos os problemas, todas as barreiras reduziam-se a meros obstáculos a serem ultrapassados, dificuldades a serem vencidas. E ele recebia uma dose de animo extra toda vez que a encontrava, toda vez que conversavam. Em pouco tempo ela se tornara muito especial.
Eles estavam juntos – saindo de um estacionamento de uma panificadora – quando ele recebeu a ligação de uma empresa agendando uma entrevista. À vaga para Assistente Financeiro pareceu perfeita para o que ele estava procurando. Comemoraram com um longo abraço, – ele pode sentir o perfume, a pele, o toque, a entrega e principalmente a confiança – segurou o rosto dela com uma das mãos, afastou uma mecha de cabelo, beijou suas pálpebras, sua testa e finalmente seus lábios. Foi o primeiro beijo. Um beijo de amor, de comemoração, de alivio, um beijo que nunca mais seria esquecido.
A partir deste dia, Alexandre e Ana Carolina se tornaram um só. Eles já tinham certeza que se amavam e o beijo só veio consolidar esta certeza. Passaram a se encontrar praticamente todos os dias, sempre em locais que ela determinava, um lanche, uma praça, uma rua. Caminhavam às vezes pelas ruas de um conjunto sem destino algum, apenas conversando. Frequentavam o Parque dos Bilhares e sentavam a beira de um lago artificial, falavam do futuro e da vontade de permanecerem juntos. Tomavam sorvete – ele de amendoim crocante ela de tapioca – e ficavam torcendo para o tempo não passar. Algumas vezes se encontravam na orla da Ponta Negra, passeavam por ali, ou nem chegavam a sair do carro, só ficavam apreciando a companhia um do outro.
Quando chegou o Natal Alexandre já estava no novo emprego. Tinha se reconciliado com o pai, e voltado para casa – o pai prometera que não mais iria interferir nas suas escolhas – Alexandre estava feliz com a nova fase, estava feliz principalmente porque estava ao lado dela. E ela se tornara cada dia mais especial, mais importante para ele. Na véspera do natal Alexandre passou a manhã esperando a hora que a encontraria chegar, havia passado semanas pensando o que compraria para ela – exatas duas semanas – ate que um dia enquanto passeava em um shopping, passou em frente a uma loja e viu algo que seria perfeito. Comprou e guardou.
No dia 24 de Dezembro Ana Carolina já havia dito ao Alexandre que eles não poderiam se encontrar a noite – ela teria que comparecer a ceia da família – Alexandre tentou persuadi-la dizendo que já era hora dele falar com os pais dela, mas não houve jeito. Ela disse apenas que ainda era muito cedo. Então eles combinaram um almoço de natal. Almoçaram em um restaurante próximo ao trabalho dele e na volta dentro do carro ele pediu que ela pegasse o celular que estava no porta-luvas. Ela abriu o parta-luvas, mas lá dentro não havia celular, não havia nada, somente uma embalagem com um cartão.
“Para você meu amor”
Ela sorriu, pegou a embalagem, leu o cartão e o abraçou.
– Não precisava meu amor.
Abriu a caixinha e lá dentro um colar de ouro branco delicado ostentava um lindo pingente. Uma pequena borboleta.
– Eu te amo Alexandre.
***
Contando-me essa parte da historia, Alexandre se levantou da cama e caminhou até a janela.
– Eu deveria ter prestado mais atenção – com olhar fixo na rua a sua frente.
– Como assim? – perguntei
– Desde essa época todos os indícios estavam lá, mas eu estava tão cego pela minha felicidade que não me dei conta. – Disse apenas.
Eu percebi que não era hora de pressioná-lo. Devagar ele me contaria tudo.
Alguém bateu na porta – Era Michele que trazia uma bandeja em suas mãos. – olhamos ao mesmo tempo e fomos imediatamente contagiados por aquele sorriso.
– Meninos? Posso entrar?! – ela perguntou já dentro do quarto.
– Só se você quiser entrar na varanda, porque no quarto você já esta amiga – Alexandre disse e nos arrancou boas gargalhadas.
– Ah como você esta maléfico amigo – imitou um personagem da Tv.
Ficamos os próximos minutos rindo, conversando e relembrando algumas historias. Depois de alguns minutos me despedi de ambos e falei para o Alexandre que voltaria no dia seguinte para vê-lo. Ele assentiu e estendeu a mão em minha direção.
– Obrigado amigo, por tudo.
***