Eu podia sentir o vento entrando pela janela do carro e tocando minha pele com a intensidade de um abraço. – aconchegante como um longo abraço – Comecei a pensar sobre a vida, sobre a minha vida, enquanto o carro cortava a avenida “eu estava com 23 anos, morava sozinho, em um apartamento frio e mal decorado, não tinha namorada, tinha poucos amigos, ou quase nenhum” – minha vida resumia-se a trabalho e o trabalho resumia bem minha vida “sem sal e estressante” – olhei em volta e vi carros, pessoas passando de um lado para o outro, ouvi uma música distante, pisei fundo e acelerei em uma rua vazia e molhada pela chuva, "estaria em casa em pouco minutos e estaria sozinho, como em tantas noites; ninguém para ligar, contar as novidades, ninguém me faria um jantar ou dividiria comigo uma pizza, ninguém para simplesmente sorrir ao meu lado" – em uma reta convidativa cheguei a 100 km. – "amor nunca foi prioridade, nunca foi algo que fizesse falta, minha carreira sempre me bastou, por que pensar agora nessas coisas? O amor é no mínimo perigoso; veja o que fez com o Alexandre?! Definitivamente o amor não é saudável”. Poucos carros passavam ao meu lado como flechas disparadas a esmo, luzes cortavam minha visão como flash de máquinas fotográficas, “mas e a solidão o que é? Se amar não é saudável, o que é a solidão então? Também não deve ser saudável ficar só; às vezes por uma busca de autoconhecimento sim, mas não por muito tempo; e eu estou sozinho há quanto tempo? Nem me lembro mais” – a reta é longa e por mais que eu acelere não há mais nada a fazer a não ser esperar, meus olhos acabam por vacilar um instante, eu percebo a falha a tempo de retomar o controle do carro e dos pensamentos. – “não me sinto carente, não seria a falta de alguém para namorar, conversar ou fazer amor, não se trata disso; sinto a falta de algo que não sei o que é; não sei explicar”. Meus pensamentos, assim como o carro, voam a procura de algo que nunca conheci, “talvez a solidão tenha me tirado do caminho há muito tempo”. Enfim minha rua, escura e silenciosa, como sempre. Meu apartamento, do mesmo jeito. Minha cama, completamente desarrumada. Deito e durmo sem tirar a roupa, sem conseguir pensar em mais nada. (...)
***
Alexandre e Ana Carolina estavam juntos há quase dois meses. Estávamos em Janeiro daquele ano. A rotina deles permanecia a mesma. Ele trabalhando de segunda a sexta e se preparando para retomar o curso de administração. Ela sempre ocupada durante o dia, sempre havia cursos a fazer e trabalhos da faculdade a concluir. O único horário que eles se encontravam era à noite na saída da faculdade dela. Nos finais de semana era impossível, – os pais dela ainda não sabiam do namoro – mas eles ficavam horas conversando por telefone. Alexandre ensaiou ficar chateado diversas vezes por aquela situação; teria realmente ficado se não fosse tão visível nos olhos dela a saudade quando eles se encontravam. Com o tempo, entendeu que ela deveria ter seus motivos, e preferiu respeitá-la.
Quando eles completaram dois meses, Alexandre a convidou para jantar. Ela conseguiu adequar seus horários e eles se encontraram no Millennium Shopping – ela insistiu para que eles se encontrassem no local onde jantariam, relativamente cedo, às 19 horas.
– Oi meu amor desculpe o atraso – ela chegou 10 minutos depois do horário combinado.
Ele esqueceu completamente qualquer atraso quando a viu. Ela estava linda. Usava um vestido que ele havia comprado no dia anterior, mesmo com as objeções dela com relação ao preço e ao gasto “desnecessário” ele comprou o vestido. – Para ele, ela ficava linda de vestido, mas aquele ficou especialmente perfeito no corpo dela.
– Não se preocupe. Você esta linda! – ele beijou suas mãos.
– Obrigada meu amor.
– Vamos entrar?
– Tem certeza meu filho? Esse restaurante não é muito caro? – ela perguntou preocupada.
– Não se preocupe. Hoje a noite é especial. Vamos?
– Vamos sim, mas eu vou ajudar você com a conta. E sem discussão quanto a isso – ela advertiu.
– Ok. Não vou reclamar dessa vez, a fundação BDA agradece – ele concordou.
– BDA?!
– Sim amor. Fundação Bolso Do Alexandre, conhece?! – disse e piscou para ela.
A noite estava bem divertida, eles estavam muito felizes, principalmente por estarem juntos. Divertiram-se muito com algumas pequenas gafes que eles cometeram; como escolher no melhor restaurante da cidade um prato pelo nome bonito, mas que consistia em feijão tropeiro com ovos e bife; depois eles pediram uma garrafa de vinho que não valia o que restaurante cobrava. – gafes perdoáveis, mas dignas de boas risadas – Mas estava tudo bem, nada estragaria aquela noite. Resolveram ir para pista do restaurante, – a música que tocava era The Blower´s Daughter na voz de Damien Rice – se abraçaram e começaram a dançar; ela puxou o colar com a borboleta para fora da blusa, olhou o pequeno pingente e falou baixinho só para ele ouvir:
– Eu amo você Alexandre. Eu espero que saiba disso e nunca duvide. Eu jamais te quero ver sofrer. Às vezes eu gostaria que o mundo nos escondesse dele mesmo, e que nada de mal pudesse nos tocar. – seu abraço ficava cada vez mais forte – Eu bem que poderia ser sua Sininho e você meu Peter Pan, juntos nós fugiríamos para Terra do Nunca e seriamos felizes para sempre. – agora colada ao peito dele ela começa a chorar, um choro calado, uma dor escondida – Minha vida só será perfeita se você estiver nela Alexandre, minha alegria só será plena se você estiver ao meu lado, afinal meu bom humor estava mesmo precisando de um parceiro. – eles sorriem e se beijam.
Nada mais precisava ser dito.
Saíram do restaurante e se amaram. A primeira vez dela, a primeira vez deles. Ele se via completamente diferente, sentia amor, carinho e preocupação. Ela entregou seu corpo, sua alma e seu coração ao homem da sua vida. Fizeram amor. O Amor na mais pura e correta definição literária.
***
Já estávamos conversando há mais de uma hora, aliás conversando não, porque eu me limitava apenas em ouvir. Não queria que nada tirasse ele do foco, desabafar, falar; ele precisa falar. Creio que passava das 20h30mim quando me dei conta que ele havia parado a narrativa havia alguns minutos. Apenas olhava um céu com poucas estrelas que atravessava a janela. Demorei certo tempo para perceber que ele se perdera em algum ponto da história, propositalmente, como querendo voltar e permanecer lá, com ela.
– Que tal darmos uma volta? – perguntei
– Não vão nos deixar sair.
– Vão sim. E não vamos longe. Vamos caminhar no jardim. Vai te fazer bem.
Após recebermos a autorização da enfermeira responsável pelo andar, saímos em direção ao jardim do hospital; – um belo jardim, ornamentado com palmeiras imperiais, orquídeas, uma grande variedade de plantas e um lindo chafariz que enriqueciam a beleza do lugar – a única determinação foi que ele fosse de cadeira de rodas para evitar esforço. Coloquei-o ao lado de um dos bancos, voltado para o chafariz, em uma posição privilegiada. Sentei ao seu lado e juntos ficamos um tempo contemplando à noite.
– Descobri que eu afasto as pessoas, acho que tenho tanto receio de me comprometer que afasto todos de mim – me lamentei e atirei uma pequena pedra no chafariz.
– Sabe Artur. Você é um bom amigo. É um cara esperto, divertido, mas tem um grande problema, não enxerga coisas que estão bem na sua frente – disse sem me olhar nos olhos.
– Então esse é só mais um dos meus problemas.
– Nós demoramos quatro anos para começar uma amizade que eu quis construir ainda nos tempo de colégio Artur. Mas não é só isso. Aposto que você nunca percebeu que uma das meninas lá da sala era apaixonada por você?
– Apaixonada? Não nunca!
– Pois é, era apaixonada e algo me diz que ainda é apaixonada por você – me olhou e fez cara de quem estava me dizendo a coisa mais óbvia do mundo.
– Como assim? Quem? – perguntei
– Ah, isso você vai ter que descobri. Já fui longe demais.
Alexandre empurrou a cadeira com ambas as mãos e foi até o chafariz. Eu não me movia, fiquei parado pensando no que ele havia dito – não poderia ser verdade, eu não seria tão desligado assim; ele querendo ser meu amigo nos tempos de colégio já era bem difícil, afinal ninguém queria. Mas uma garota? E apaixonada por mim?! Não. Isso era Impossível.
– E a Ana Carolina? O que aconteceu? – achei melhor mudar o rumo da conversa.
***
Alexandre foi deitar naquela noite com o coração leve e a alma flutuando – sonhou com um campo florido, um sol vibrante e rostos conhecidos que ele amava. Procurou o rosto dela em meio a todos, mas não a encontrou, continuo percorrendo o campo procurando-a, mas só via a mesma repetição de rostos. Sentia seu amor no vento, no olhar das pessoas, nas flores e nas árvores, sentia a presença dela, mas ela não estava lá.
Acordou assustado, o alarme já estava tocando há bastante tempo. Ele estava atrasado. Levantou em um salto e correu para o chuveiro, bateu todos os recordes de velocidade no caminho. Pegou a roupa mais fácil de passar e vestir. Engoliu um café com pão e queijo. Entrou no carro e cortou o trânsito pegando alguns atalhos; em 30 minutos ele estava em sua mesa. Como de costume, pegou o celular e mandou uma mensagem de texto para ela “Bom dia, bom dia, bom dia... alegria, alegria, alegria... saudades absurdas de você meu amor, eu te amo!”, escreveu e esperou a resposta habitual.
O dia passou rápido, algumas reuniões, pagamentos a efetuar, remessas para liberar, com tantas atividades para fazer, ele só percebeu na hora do almoço que ela não havia respondido a mensagem. Pegou o celular e discou o numero dela; foram exatos cinco toques antes da ligação cair na caixa postal. Ele não deixou recado. Mais tarde ligou novamente, e novamente cinco toques e caixa postal.
Alexandre achou estranho, mas ele não era do tipo que se preocupava a toa. Achou prudente esperar, antes de tentar ligar de novo. E assim o dia inteiro se passou.
Por volta das 18h35mim Alexandre estava saindo do trabalho quando resolveu ligar; desta vez não houve toque, a ligação caiu direto na caixa postal. – agora sim ele tinha motivos para se preocupar – Ligou várias vezes, mandou várias mensagens; não obteve nenhuma resposta. Assim, a noite inteira se passou.
Alexandre não conseguiu dormir aquela noite. Não era o fato de não falar com ela, mas a sensação que isso trazia. – desde quando acordou que ele sentia que algo estava errado, mas a correria e a obrigação de acreditar no melhor o fizeram não se importar muito com aquilo, mas agora era diferente – Eles nunca haviam ficado uma manhã sem se falar, quanto mais um dia inteiro. Definitivamente, algo estava muito errado.
O segundo dia amanheceu, e com ele todas as preocupações que atormentaram a mente e o coração do Alexandre ressurgiram mais intensas. Foi trabalhar, mas assim que chegou conseguiu uma autorização para sair às 9 horas, pensou que se ela estava o evitando, na aula de inglês ele teria a oportunidade de conversar com ela. Chegou à escola de idiomas e foi atendido na recepção por uma senhora simpática e de sorriso fácil. Após alguns minutos de conversa ele descobriu que ela não estava lá. Na verdade eles não tinham nenhuma aluna com aquele nome.
Alexandre voltou para o trabalho sem saber direito o que pensar, ele havia encontrado com ela várias vezes na frente da escola. – sua cabeça estava a mil, uma forte dor o atingiu, precisava tomar algo, mas precisava também entender – Chegou ao trabalho e fez o que pode para não deixar transparecer suas preocupações, nem deixar que isso o atrapalhasse – o que não era fácil.
A noite ele resolveu esperar. Continuou ligando e deixando recados. Todos em vão. Não houve uma única resposta.
Alexandre mal esperou o raiar do terceiro dia – não dava mais para esperar – tomou um banho e se vestiu. Não tomou café, mal tomou um gole d’água. O dia ficou mais claro; pegou o carro e foi em direção a casa dela, onde ele sempre a deixava. Dirigiu por uns 10 minutos. – em sua mente todas as possibilidades o tomaram, algumas o deixaram aliviado, outras fizeram um arrepio subir na coluna – Se aproximou da rua e lembrou a casa que ela apontara em certa ocasião; achou melhor aguardar um pouco mais, afinal ainda era muito cedo. Ele estava estacionado em frente à casa, mas do outro lado da rua, quando ele observou alguém abrindo o portão – ele sai do carro e espera – uma mulher de aproximadamente trinta anos sai pela porta e logo se assusta com aquele homem que a encarava e vinha em sua direção.
– Bom dia. Perdão incomodá-la senhora, mas estou procurando uma amiga. Ana Carolina. A senhora a conhece?
A mulher apenas balança a cabeça em negativa.
– Mas me disseram que ela morava aqui nesta casa – ele insiste.
– Olha moço, eu trabalho aqui há cinco anos e nunca morou nenhuma Ana aqui. – a mulher responde e começa a fechar a porta.
– A senhora tem certeza? – ele avança até o portão e o segura antes que se feche.
– Certeza absoluta moço. Mora só o senhor Francisco que é aposentado e não tem filhos nem parentes. Agora me deixe fechar a porta, por favor, se não vou chamar a policia.
– Ok. Me desculpe – atordoado ele volta em direção ao carro.
Sem saber o que pensar, para onde ir ou o que fazer. Ele simplesmente entra no carro e vai embora.